Gabriel Fernandes ressignifica a casa de pau a pique em seu ambiente da CASACOR SP 2024
Um raio de sol reflete na superfície da chaleira e formas de alumínio sobre o fogão a lenha. O filtro de barro convive harmoniosamente com garrafas de Velho Barreiro na bancada de tijolos. Essas cenas costumam estar na casa de qualquer cidade do interior do Brasil, mas elas fazem parte de um dos ambientes mais criativos e surpreendentes da CASACOR SP 2024, assinado pelo arquiteto Gabriel Fernandes. Ele ressignifica a casa de pau a pique e mostra que elementos da cultura caipira viram luxo em uma moradia contemporânea.
O espaço Casa Veredas Simonetto, com 120 m2, é o resultado tanto do encontro de Fernandes com suas memórias de infância – a avó morava num sítio e ele passava as férias lá – como da pesquisa para o projeto Brasis que Vi, uma imersão de dois anos do arquiteto e sua equipe na forma de morar do brasileiro e na relação do nosso povo com a própria casa.
“Mergulhamos na cultura caipira e surgiu esse ambiente, esse recorte que está na CASACOR SP”, conta Fernandes. “Queríamos que fosse uma casa extremamente atual, mas que trouxesse essa essência, esses fragmentos, esses elementos visuais que fazem parte do imaginário rural brasileiro, da casa caipira, da nossa cultura.”
Hoje, o trabalho do arquiteto e seu time – ele comanda o GF Estúdio –, é pautado basicamente em como o brasileiro vive e vivencia a casa, naquilo que é importante para ele. “Nosso olhar é voltado para a materialidade ordinária, aquilo que não tem muito valor. Por exemplo, pegamos o barro e o transformamos em elemento principal, como elemento construtivo. Ele é o protagonista do ambiente da CASACOR SP”, explica Fernandes.
Do ordinário ao extraordinário
A criatividade do arquiteto conduz o ordinário ao extraordinário. Um dos melhores exemplos dessa forma de trabalhar está nas paredes e teto do espaço cobertos por estantes com mais de 2.500 nichos de 25x25cm, cada, preenchidos com tijolos produzidos artesanalmente pela comunidade Maria do Barro, de Brasília. Aqui, a releitura do pau a pique ganha sofisticação na geometria das estantes de cor branca com nuances de bege executadas pela Simonetto.
“Cada tijolo é único, nenhum é igual ao outro, e ainda traz um desenho de uma casa, modelado em relevo. Os nichos representam as estruturas quadriculadas vazadas, preenchidas com barro, da antiga técnica construtiva pau a pique. Esta foi a forma que encontrei de exaltar e homenagear a ancestralidade da casa caipira brasileira, dentro de uma linguagem estética atual”, explica Fernandes.
Andar com fé
A relação com a fé é outro elemento captado nas andanças do arquiteto pelas casas brasileiras e levado ao ambiente da CASACOR SP. Um exemplo é a mesa de centro desenvolvida por Bruno Rangel exclusivamente para o projeto, com desenho inspirado na posição das mãos em oração. Há também um canto que abriga um altar com imagem sacra. “Além do barro, o que mais me chamou atenção, que me parece um bem comum entre o brasileiro, é a sua relação com a fé”, conta Fernandes.
Caipira x Contemporâneo
A Casa Verdes Simonetto tem uma sala de estar com duas cozinhas integradas – a caipira e a contemporânea. Nessa última, o arquiteto uniu o moderno, o tecnológico com o antigo: na parede de fundo, há um grande nicho ao lado dos armários para expor objetos do cotidiano caipira (como vassouras, lanternas, serrote e chapéu de palha).
“Mas temos também uma materialidade nova, que acabou de ser lançada pela Simonetto”, observa. Trata-se de um material de alto padrão, o Fenix, de origem italiana, com superfície totalmente fosca, anti-manchas, resistente a atritos, antibacteriana e com uma facilidade incrível para a recuperação de riscos. Basta proteger o local com um tecido e passar um ferro quente em cima que os riscos somem.
A viagem à casa caipira contemporânea ainda não acabou. Há outros elementos que merecem atenção e provocam admiração. O painel da sala de estar feito com 608 cerâmicas Brennand, reaproveitadas de uma reforma, em Curitiba, é uma obra de arte, assim como a máquina de costura da vovó (cercada por uma instalação volumosa de linha vermelha, da artista Adrianna Eu), o desenho de Tarsila do Amaral, que retrata cenas do interior do Brasil, e o quadro de Guignard.
Entre o mobiliário escolhido a dedo, vale destacar o sofá Mole, de Sérgio Rodrigues, e o par de poltronas Chica, de Zanine Caldas, revestidas com tecido de estampas assinadas pelo próprio arquiteto, a partir da observação de objetos ordinários da sua própria casa.
Aliás, observar o nosso entorno é a dica que Fernandes dá para quem deseja se inspirar para levar à sua casa o clima de aconchego e afeto da casa caipira brasileira. “Tire as coisas de dentro do armário, coloque para fora algumas lembranças, algumas memórias. Não precisa sair comprando. Não tente se esconder, não esconda parte da sua história”, ensina.
Confira mais detalhes da Casa Vereda Simonetto na galeria.